Projeto visa, supostamente, reduzir gastos estatais com o SUS e diminuir serviços das operadoras. Com a crise, em 2016, cerca de 2 milhões de brasileiros deixaram seus planos de saúde e migraram para a rede pública.
Matéria da Folha de São Paulo de 16 de dezembro último, publicada na página B1 do Caderno Cotidiano, sob o título “Plano de saúde popular de Temer pode retroceder acesso a usuários”, de autoria da jornalista Natália Cancian, situa de maneira clara a precariedade que pode afetar os usuários de planos de saúde com o novo projeto, ainda em estudo e avaliação pelo Governo. Natália Cancian observa em sua matéria que: “Para a FenaSaúde, uma das maiores entidades do setor de planos, a medida pode ajudar a evitar serviços “desnecessários” ou em excesso”.
O projeto, assistido por entidades que reúnem as operadoras do setor de planos, prevê mudanças nas regras da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para que sejam ofertados no mercado planos com cobertura menor de procedimentos do que o rol mínimo obrigatório definido pela agência ANS. Outra inovação que se pretende tornar generalizada e corrente é a coparticipação das despesas, obrigando o usuário a pagar, além da mensalidade, despesas da operadora com consultas, exames e outros procedimentos e serviços, inclusive cirurgias.
No texto de Natália Cancian os maiores danos ao consumidor são por ela listados já no primeiro parágrafo da matéria: “…a proposta de criar um plano de saúde “popular” poderá incluir redução na cobertura mínima de atendimento, aumento na divisão de despesas com o usuário e prazos maiores de espera por consultas e cirurgias”. O fator “prazos” quando descumprido atualmente, rende multa às operadoras e a recusa em cobrir tratamentos previstos em lei rende processos na Justiça.
Sobre a prática generalizada da coparticipação em pagamento de despesas, a jornalista assim explica: “A idéia é que até 50{28541dc4d20783800f949dc16383576cdaf7517f4e5380999f779b1921c1c214} do valor pago pelo plano por alguns procedimentos seja compartilhado com o usuário. Hoje, a maioria dos contratos com coparticipação adota o máximo de 30{28541dc4d20783800f949dc16383576cdaf7517f4e5380999f779b1921c1c214}”. Antônio Carlos Abbatepaolo, presidente da ABRANGE, que reúne as operadoras, afirma: “Para planos que estão no mercado não haverá alteração.” No entanto, se o novo projeto for implantado, institucionalizando a coparticipação em pagamento, aqueles planos que na sua origem não a contemplavam, podem, de uma hora para outra, ter que se adaptar a ela, com maiores dificuldades para se recorrer na Justiça.
O projeto de Planos de Saúde Populares pode significar para o governo e para o setor privado de saúde um olhar estratégico para o futuro , mirando tanto os recursos assistenciais como os custos, uma vez que 48{28541dc4d20783800f949dc16383576cdaf7517f4e5380999f779b1921c1c214} das despesas totais com saúde no Brasil são públicas e os restantes 52{28541dc4d20783800f949dc16383576cdaf7517f4e5380999f779b1921c1c214} são gasto privado, das famílias e das empresas. Além disso, o perfil demográfico futuro do Brasil aponta para um crescimento, em 20 anos, de quase o dobro da população idosa, passando dos atuais 24,9 milhões para 48,9 milhões de habitantes, agravando, assim, a carência de assistência médica e encarecendo os tratamentos. (Fonte: Cenários 2017, Revista da Folha, 18 de dezembro de 2016)
O IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – organização civil não governamental independente, recusou em agosto último o convite feito pelo Ministério da Saúde para participar do GT – Grupo de Trabalho sobre Plano de Saúde Acessível, além de ter pedido também a extinção desse GT, por considerar inconstitucional e ilegal a proposta de plano de saúde “popular”, com custos menores e cobertura inferior à definida pela atual legislação.
Para o IDEC, a medida ainda é tecnicamente equivocada e ineficaz para cumprir o objetivo de reduzir os gastos estatais com o Sistema Único de Saúde (SUS). “Esses planos com qualidade inferior não irão cobrir os tratamentos mais caros e complexos, além de excluírem os doentes crônicos e idosos, que terão de buscar atendimento no SUS”, afirma Marilena Lazzarini, presidente do Conselho Diretor do IDEC. O instituto também reputa o projeto como um retrocesso, que remete a períodos em que o cenário brasileiro era de total desregulamentação e descontrole do setor, sem a garantia de cobertura de todas as doenças listadas pela Organização Mundial da Saúde. (Revista do IDEC, n◦ 208, página 32)
Outras entidades dedicadas à defesa do consumidor, como é o caso da Proteste, também têm manifestado seu temor com relação à excessiva flexibilização que pode vir a ser adotada nas normas da ANS, com claros prejuízos ao usuário, como perder a cobertura mínima , ter de pagar o que um plano de saúde deveria cobrir e ter de esperar de 30 a 45 dias por uma cirurgia, condicionado a uma nova consulta para uma “segunda opinião”.
A matéria completa de Natália Cancian publicada no Caderno Cotidiano da Folha de São Paulo de 16 de dezembro de 2016 pode ser acessada através do link:
São Paulo, 19 de novembro de 2016.